por Nelson Menda – Miami, EUA
Meus avós maternos falavam iídishe, ao passo que os paternos, ladino. Os pais da minha mãe, de sobrenomes Fajngold e Peissahk, eram originários de Káminka, uma aldeia da Europa Central que, dependendo da época, poderia ser considerada como fazendo parte da Rússia, Bessarábia ou Romênia. Moraram na França e Inglaterra antes de migrar para o Brasil e, obviamente, também utilizavam outros idiomas, mas dentro de casa o que predominava mesmo era o iídishe. Para desgosto do meu pai, nascido na Turquia, que também era fluente em uma porção de línguas, inclusive o ladino, mas não entendia nada do judeu-alemão, como o iídishe era – e ainda é – chamado. A terra natal da minha avó paterna, Idernê, também era conhecida como Edirne ou Andrinopla e, a do meu avô, Lule- Burgás, ambas na Turquia Européia e bastante próximas das instáveis linhas de fronteira que separavam o país da Grécia e Bulgária.
A semelhança do ladino com o português facilitou bastante a vida dos imigrantes sefaradis de origem turca, grega, búlgara e iugoslava, que já desembarcavam no Brasil praticamente dominando o idioma. Minha avó paterna contava que, enquanto o navio que os tinha trazido da Europa estava atracado no Píer da Praça Mauá, no Rio, em pleno Carnaval, passou por eles um bloco de sujos e um dos rapazes do grupo sefaradi, captando rapidamente o espírito da novidade, conseguiu às pressas um vestido de mulher, desceu do convés e caiu direto no samba. O ladino, certamente, deve tê-lo ajudado a confraternizar com os demais foliões.
A ORIGEM DO LADINO
Ao contrário do que muita gente imagina, os judeus que habitavam a Península Ibérica ao tempo da expulsão de 1492 na Espanha e a conversão forçada de 1497 em Portugal não falavam ladino, mas a língua ou o dialeto da região onde moravam, como o português, catalão, aragonês, galego, andaluz, etc.
Após a saída da Península e à medida em que atravessavam e se fixavam em outros países, essas diferentes línguas e dialetos foram sendo unificados, ao mesmo tempo em que agregavam, pouco a pouco, palavras do hebraico, francês, italiano, grego, turco e, no caso do Marrocos, também do árabe, dando origem ao ladino e à haquetia. O ladino, também chamado de judeu-espanhol, espanholito ou judesmo, já não é mais utilizado no dia-a-dia das famílias sefaradis de origem ibérica. Mantiveram-se, contudo, seus dichos (provérbios) e canções, com seus refinados senso de humor e harmoniosa musicalidade. O ladino, todavia, que tinha tudo para se transformar em uma língua em acelerado processo de extinção, graças aos esforços de um punhado de cultores, está vivendo uma fase de pleno renascimento. Afinal, só o repertório de canções possui mais de mil composições musicais de rara beleza, com destaque para o “Avram Avino”, uma das mais interpretadas:
Avram Avino
Padre Kerido
Padre Bendicho
Luz de Israel
AKI YERUSHALAYIM
Moshé Shaul, judeu de origem turca radicado em Jerusalém, foi um dos pioneiros no trabalho de preservação e divulgação do ladino. Por sua iniciativa a Rádio Kol Israel, que pode ser acessada pela Internet, transmite, há vários anos, um programa inteiramente falado em ladino, o Aki Yerushalayim. Também é dele o projeto de edição de uma revista de mesmo nome e tanto o programa radiofônico quanto o conteúdo da publicação podem ser escutados e lidos on-line, bastando clicar em http://www.aki-yerushalayim.
A Professora Cecilia Fonseca da Silva, componente do Angeles y Malahines, vem ministrando palestras sobre o ladino em diferentes eventos e instituições culturais do país, como a ASA, o Confarad, o Centro Hebraico Riograndense e o XIV Congresso de Professores de Espanhol, realizado em julho deste ano em Niterói.
A Wizo-Rio também tem seu grupo de conversação em ladino, o “Kaminando i Avlando”, que se reúne com regularidade. É formado pelas ativistas Jaqueline Chamowitz, Renée Alhadef, Stella Garber, Naume Ladosky Cohen, Viviane Behar, Lidia Musafir, Ester Jerusalmi, Rosa Barki, Liliane Modiano, Vera Israel, Dora Moussatche e Lidia Levy.
Não poderíamos encerrar esse texto sem mencionar o Ladino Komunitá, grupo internacional fundado em 1999 pela izmirli radicada nos Estados Unidos Rachel Amado Bortnick que reúne gente do mundo todo interessada em preservar aquela que já foi chamada “A Língua Absolvida” pelo Nobel de Literatura Elias Canetti, que não por acaso foi alfabetizado em judeu-espanhol. Por uma feliz coincidência o Ladino Komunitá www.sephardicstudies.org/
E a incansável Stella Garber, do Rio, que já participa do “Angeles y Malahines” e do “Kaminando i Avlando” é a hostess que está organizando a intensa agenda cultural que fará da presença do “Ladino Komunitá” em terras cariocas um marco inesquecível na história do grupo. Depois de tudo o que foi dito, será que podemos, em sã consciência, considerar o ladino uma língua em processo de extinção?
Nelson Menda
Miami, USA
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